O CÃOZINHO (IN)FELIZ...
Um cachorrinho criado em casa, no quintal, é um bichinho sempre inquieto. Fica olhando para a rua pelo portão, e tem seus olhinhos brilhantes com uma vontade imensa de estar do outro lado.
Ele quer sair, andar pela rua, correr atrás de outro cachorro, latir pro gato, perseguir o carro, cheirar o mato, fazer xixi no poste, etc...
Por medo do fato do animalzinho querido não saber se virar no mundão lá fora, é que seu dono o prende, cercando-se de todos os cuidados para que nunca escape.
Interiormente, ainda inveja os cachorros dos vizinhos que saem, passeiam e voltam prá casa, sempre obedientes e “ensinados”.
Mas seu caozinho não pode sair não. É perigoso lá fora. Quando muito, sai preso à coleira.
Mas um dia passa vários cachorros pela frente da casa, ele pula alucionado no portão e... ele abre! Ele escapa! Foge! Corre atrás dos outros cachorros. Sai pela rua na velocidade da luz. Corre para um post, faz xixi, corre pro matinho e cheira, vira a esquina, late pros carros, quase é atropelado, parece estar drogado. Olha tudo, cheira tudo e não vê nada. Não pára quieto. Cheira outros carros, late para eles, vai atraz, apanha, chora, corre e... some!!!
Em poucos minutos, está longe, muito longe de sua casa. E perdido!
Começa a notar que, diferentemente da visão que tinha do lado de dentro do portão, todas as ruas são iguais. Todos os carros são iguais. Todos os cachorros são iguais. Todos os gatos são iguais. O diferente é ele. Ele que passou a vida toda dentro de casa, com seu pratinho de comida, alegrando a família, fazendo a alegria das visitas com seus truques calmamente ensinados pelo dono. Ah... o conforto do lar. O amor. O carinho...
Em poucas horas, perdeu-se a graça estar do lado de lá do portão. Aqueles cachorros que passavam pelo portão e o chamavam para sair andar pelo mundo, hoje tem vida própria, segue seus próprios instintos e não tem muito tempo prá ficar de babá de cachorrinho mimado.
Deu fome. Cadê o pratinho? Cadê a água? Pior: cadê a casa e sua família?
Ele está perdido. Está abandonado. O prazer de sair correndo pela rua, pelos postes, pelos matos acabou. E agora? Que graça tem tudo isso? Tem certeza que era aqui que ele queria estar? Até alguns minutos atras era, mas e agora???
Não, ele nunca mais encontrará sua casa, sua família, seu cantinho. Nunca mais ele terá o carinho de quem o criou, o alimentou, o ensinou.
Se der sorte, encontrará outro lar disposto a cuidar dele, mas... como será esse lar? Terá que se adaptar aos donos? Será que cuidarão tão bem quanto era cuidado pelos antigos donos?
Se der azar, será condenado a vagar pelas ruas, comendo restos de lixos, sendo atacado por outros cachorros, dormindo na chuva, no frio. Se der mais azar ainda, será capturado pelo Depto. Municipal competente e daí... sabe-se lá o que acontecerá...
Muitas vezes vemos pessoas “aprisionadas” em situações, relacionamentos, famílias. E, quando encontram uma maneira de sair da “casa”, partem desesperadamente pelo mundo atras de tudo que não tiveram, julgando que sua hora de ser feliz chegou.
E chegou mesmo? Não, não chegou. Apenas mudou. Agora está perambulando pela vida, experimentando pessoas, situações e “amigos”. Nunca mais achará o caminho de casa, dos donos que tanto cuidaram e ensinaram. Nunca mais terá os braços quentinho da familia e o carinho amoroso em sua testa.
Assim como o caozinho, as pessoas também tem a opção de ver o portão aberto e querer sair. Depois que saem, descobrem que o mundo “lá fora” tem sua beleza e maravilha, mas que tudo é efêmero, passageiro, temporário: pessoas, situações, amizades, amores.
Daí é tarde prá querer voltar, prá ter de volta seu mundinho maravilhoso de volta.
Mas tentam acreditar que era necessário essa aventura. Que isso só engrandeceria sua vida. Que era preciso cortar certos cordões umbilicais.
Ledo engano. A casinha do quintal ainda vai parecer quentinha, a comidinha no potinho ainda vai parecer saborosa e a água parecerá fresquinha, passem os anos que passarem.
Não precisamos sair desenfreadamente pela vida prá aprendermos a viver. O aprendizado da vida acontece dia após dia, passo a passo, minuto a minuto, onde quer que você esteja, do lado de cá ou de lá do portão.
Agora vem a época dos arrepedimentos. Do “onde foi que eu errei”. E acredite: sempre sabemos onde erramos ou QUEM N OS FEZ ERRAR! Mas optamos em transferir culpas. Somos craques nisso.
Acreditamos no que queremos acreditar. Principalmente em “amigos”, que do nada, aparecem para tomar nossas dores e nos libertar da escravidão.
Daí eu me pergunto: amigo é prá nos ensinar a dar uma guinada em nossas vidas, como se dono fossem dela??? Ou é aquela pessoa que nos acompanha em todos nossos passos, ajudando, colaborando, levantando, empurrando e puxando?
Amigo é aquele que senta na primeira fileira para assistir ao seu espetáculo. Aquele que primeiro aplaude, aquele que primeiro se emociona, que primeiro ri, que primeiro te cumprimenta.
Porque a vida é nossa e nós é que respondemos pelos nossos erros. Mas temos o dom de repassar, ERRADAMENTE, os erros que cometemos.
Um exemplo: a amiga apresenta um cara. Você sai com ele e... engravida! A culpa é do cara, claro, que não tomou cuidado. Ou então, foi vacilo seu mesmo. Mas e a amiga? A que apresentou? Tudo bem, ela não disse prá você transar com ele. MAS TAMBÉM NÃO DISSE PRÁ NÃO TRANSAR!!!!
Amigos que comandam nossas vidas, não são amigos. Não somos marionetes. Somos humanos. Precisamos de orientações mas nunca de conselhos, de tomadas de decisões, pois ninguem vive a vida do outro prá saber o quão certo está sua visão de um fato particular.
Hoje, aquele cãozinho abana o rabo para todos que passam pela rua, na esperança que algum daqueles humanos que passeiam pelas calçadas seja seu antigo dono e o reconheça. Mas fará isso sempre longe dos outros caezinhos, por medo de que o critiquem, o culpem ou o chamem de fraco, afinal ele está do lado de fora do portão.
Mas a dor vem... a lembrança também... E um dia, mesmo que demore, ele vai descobrir que, na verdade, o portão não abriu sozinho ou por acaso. Foi ele que abriu. E foi ele que decidiu sair pela rua.
Mas sempre vai preferir acreditar que foi a família que vacilou e deixou o portão aberto.
Pobre cãozinho.. cuja antiga família nem mais lembra dele... E ele vai passar o resto de seus dias achando que a culpa do portão aberto foi dela...

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